Custos da Cidadania II

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A construção em São João das Lampas, no início da obra, que motivou o processo por difamação

Fernando Andrade, morador em São João das Lampas,autor do blogue “Outro Galo canta” foi condenado pelo tribunal de Sintra ontem, dia 11 de Julho, a uma indemnização por danos morais no valor de 1500 Euros, multa convertível em 150 horas de trabalho comunitário a que se junta custas judiciais - por ter escrito um artigo de opinião, em Fevereiro de 2008 no Jornal de Sintra, criticando as dimensões de uma obra da empresa Galucho, cujo administrador é o empresário João Justino,antigo presidente da Câmara de Sintra, eleito pelo PSD .Proprietário de uma mansão apalaçada em Colares que após construída tem quase o triplo do volume autorizado, um processo que já teve ordem judicial de demolição e que se arrasta pelos tribunais há dez anos.(ver Jornal Público 14/05/2012).

Pelo interesse transcrevemos um post publicado no blog "Tudo sobre Sintra", sobre este processo judicial, que teve agora o seu desfecho, condenando o morador de São João das Lampas.

"Morador de São João das Lampas condenado por difamar administrador da Galucho"

  O Tribunal de Sintra condenou hoje Fernando Andrade pelo crime de difamação contra o comendador João Justino, administrador da empresa Galucho, num processo que remonta a Fevereiro de 2008, quando o morador de São João das Lampas escreveu num artigo de opinião publicado no Jornal de Sintra que não sentia orgulho “em ser conterrâneo de um intocável fora-da-lei”. A juíza do Tribunal de Sintra manteve a decisão anterior sobre o pedido de indemnização cível, estabelecido em 1500 euros, e em matéria penal condenou Fernando Andrade a 150 dias de multa, à taxa de 8 euros, convertidos em 150 horas de trabalho a favor da comunidade.

 O primeiro julgamento terminou no início de 2012, com o Tribunal de Sintra a dar como provado o crime de difamação através de meio de comunicação social, mas a condenar o arguido apenas a uma indemnização de 1500 euros em processo cível, dado ter entendido que em matéria criminal aplicava-se o princípio de exclusão da punição, porque o arguido “exerceu o direito de liberdade de expressão para defender interesses legítimos de toda a comunidade” e “é inquestionável que se trataram de factos verdadeiros”. Em causa esteve uma obra de ampliação da fábrica da Galucho em São João das Lampas (na foto), iniciada em 2007, que segundo os moradores, e o próprio Tribunal concluiu, não cumpriu a lei.

Tribunal da Relação anula decisão de primeira instância
 Posteriormente, na sequência de recursos das duas partes, o Tribunal da Relação considerou que o Tribunal de Sintra errou ao aplicar o princípio invocado e que, por isso, o arguido devia ser condenado. “O Tribunal errou, porquanto deu como provada factualidade que veio a considerar preencher uma causa de exclusão de ilicitude, quando o que estava em causa era um juízo de valor ilegítimo sobre o assistente [João Justino] e não qualquer facto que lhe fosse imputado”, lê-se no acórdão que remete para o tribunal de primeira instância a aplicação da pena.

A decisão surpreendeu a defesa de Fernando Andrade, dado que em sede de recurso a procuradora-geral adjunta do Ministério Público defendeu precisamente o contrário. “De acordo com a factualidade, [o arguido] limitou-se a manifestar publicamente o seu desagrado e frustrarão pelo facto de não estarem a surtir visivelmente qualquer efeito prático as diversas iniciativas desencadeadas no sentido de impedir o prosseguimento dos trabalhos em vista da instalação da fábrica (…), ainda que contrariando a lei e a ordem dada pelas autoridades. Nesse contexto, parece inequívoco não poder-se atribuir à expressão utilizada carga ofensiva, em razão do que entendemos não dever ser o arguido condenado pelo crime de difamação”, justifica Lucília Gago.

 “A vontade de exercer cidadania vai-se toda embora”
 Na audiência de hoje, o advogado de Fernando Andrade considerou o processo “absurdo e bizarro” e disse mesmo poder verificar-se uma “violação processual do princípio da independência da juíza, obrigada a aplicar uma pena com a qual não concorda”. “É estranho que o tribunal superior não tenha definido a medida da pena, impondo ao Tribunal de Sintra que aplique uma pena contra a sua própria convicção, pelo que não sei se não haverá aqui um resquício de inconstitucionalidade”, considerou Martins de Brito, que apelou à juíza a aplicação da pena mínima prevista (120 dias). A acusação e o Ministério Público optaram por não acrescentar mais elementos, e o empresário João Justino não quis fazer qualquer comentário. Já Fernando Andrade estava visivelmente incomodado com a condenação, sobre a qual irá ponderar recorrer. “Estou insatisfeito, porque queria a absolvição. Fiz o que fiz inspirado nas palavras do Presidente da República, que disse em 2008 que ‘a Justiça não pode estar refém do poder económico’, e para não passar pela vergonha de mais tarde me questionarem por não ter feito nada morando lá em frente. Actuei com as armas que tinha, mas agora a vontade de exercer cidadania vai-se toda embora”, desabafou.

 © Luís Galrão/Tudo sobre Sintra

http://www.tudosobresintra.com/2013/07/morador-de-sao-joao-das-lampas.html

 http://riodasmacas.blogspot.pt/2012/01/custos-da-cidadania.html


Comentários

Caínhas disse…
Já tinha lido sobre este caso.
Este é um caso.
Quantos outros semelhantes continuam impunes por esse país fora, em que os poderosos, borrifam-se na lei, nas autoridades, compram tudo, e saiem ufanantes dos processos, porque ninguém lhes toca.
Não há duas opiniões, a justiça, de justiça só tem o nome, porque quem é pobre, ou não tem meios para lutar contra os poderosos, sai por baixo, e perde sempre.
pedro macieira disse…
Caínhas,
Completamente de acordo.Este processo de S.João das Lamas é infelizmente exemplar - o processo da mansão de Colares, deveria ser um "case study", como exemplo do cruzamento de interesses politicos partidários (vários)com o fechar de olhos (pelo menos),na não aplicação da lei a que está sujeito (e que se aplica sempre) ao comum dos mortais.
Abraço
Fatyly disse…
Já tinha lido...e como sempre os criminosos ficam impunes!
Caro Pedro Macieira
Agradeço a sua solidariedade e o espaço dedicado ao assunto neste magnífico blogue.
Este infeliz desfecho, teve como resultado descarado que as leis são apenas para a ralé e para que nos iludamos que o nosso Estado é um Estado de Direito. Trabalha-se na sombra mas os resultados são bem visíveis. Custa conformar-me com esta sentença que envergonha a Justiça, mas temo que qualquer outro recurso tenha igual conclusão, ou seja, eu é que sujei a honra do senhor e não os seus próprios actos. Se aceitar esta pena não significa aceitar que ele ganhou a causa, pois a impressionante onda de solidariedade que recebi no meu mural do fb, faz-me pensar noutras alternativas.Que, se calhar, voltarão a dar processo, mas enfim. Abraço.
pedro macieira disse…
Caro Fernando Andrade,
Tenho aprendido com o tempo que existem pessoas que pelo seu poder politico, ou poder económico estão acima da lei -pessoas para quem os escritórios de advogados, locais preferenciais de recrutamento de deputados que farão as leis que os seus "pares" usarão em defesa dos interesses dos que têm a capacidade económica para serem sempre impunes às leis que eles próprio patrocinaram -e portanto tudo dentro do espirito mais legal possível...
No seu caso, mais um processo que tenta intimidar os que não se querem sujeitar aos desmandos dos poderosos cá do burgo, fazendo-os cidadãos submissos e obedientes,sem voz,sem direito à indignação e deixando as coisas da politica, para os "profissionais" porque assim terão a garantia da manutenção do seu poder.
Um abraço e não desista.
Pedro Macieira

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