Porque hoje é Sábado...
Poema do gato
Quem há-de abrir a porta ao gato quando eu morrer?
Sempre que pode foge prá rua,
cheira o passeio e volta para trás,
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato!)
mia com raiva desesperada.
Deixo-o sofrer que o sofrimento tem sua paga,
e ele bem sabe.
Quando abro a porta corre para mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo e acaricio-o num gesto lento,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri,
com os bigodes eróticos,
olhos semi-cerrados, em êxtase,
ronronando.
Repito a festa, vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as maxilas,
cerra os olhos,
abre as narinas,
e rosna,
rosna, deliquescente,
abraça-me
e adormece.
Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?
António Gedeão, "Poema do Gato", Poesia Completa. Lisboa: Sá da Costa, 1996.
*Foto: Gatos de Nafarros
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