Externato de Santa Maria
Foto de 27/06/2014
O Externato de Santa Maria, imóvel integrante do espaço da casa projectada por Raul Lino em 1922 - a Casa dos Penedos, encontra-se com um nível de degradação inaceitável, porque aqueles imóveis são elementos importantes do património edificado da Vila de Sintra. A necessidade de se encontrar uma solução de recuperação para o edificío da escola, deverá ser uma prioridade para a autarquia sintrense.
Fotos de 27 /06/2014
"O edifício em que a escola funcionava é um casarão contíguo à Casa dos Penedos também pertencente ao pai das Senhoras D. Maria Eugénia e Maria Emília, parte do qual, a ala esquerda, era reservado à casa da professora – a minha mãe – e outra parte, a ala direita, era reservada aos caseiros da Casa dos Penedos que se mudavam para lá no Verão, quando os senhoras vinham veranear para a Casa dos Penedos. A parte central era reservada para a escola: uma enorme sala de aulas, um refeitório de igual tamanho, a enorme cozinha com chão de lajes e fogão a lenha, lá em cima, na ala direita, a Casa de Trabalho e a Capela, onde diariamente se rezava o terço... O enorme campo de ténis da Casa dos Penedos era o recreio das alunas da escola."
In texto de Graça Sampaio
Voltamos a publicar um excelente texto de Graça Sampaio, autora do blogue “picosderoseirabrava”, que faz um retrato de uma época.
A obra da Sr.ª D. Maria Eugénia Reis Ferreira
O meu contacto com a obra desta senhora fez-se já, a título póstumo, em inícios de Outubro de 1958, tinha eu apenas dez anos, quando a minha mãe, depois de ter respondido a um anúncio, ganhou o lugar de professora primária no Externato de Santa Maria, sito na Rua Marechal Saldanha, n.º 18, em Sintra.
A dona e directora desta instituição, a Senhora D. Maria Emília Reis Ferreira, era irmã da Senhora D. Maria Eugénia (ambas filhas do Senhor Carlos Ferreira, dono da Casa dos Penedos), recentemente falecida, sem descendência, e terá pedido, à hora da morte, à irmã que tomasse conta da sua obra, promessa que a senhora D. Emília cumpriu sempre com todo o carinho e denodo, a suas inteiras expensas.
A população alvo eram crianças do sexo feminino, nomeadamente de famílias pobres, residentes na Freguesia de São Martinho, em Sintra, que não possuía senão uma escola primária destinada a rapazes. De notar que, à época, as escolas primárias obedeciam à lógica da separação dos sexos.
Para além do ensino primário absolutamente gratuito, as meninas almoçavam na escola que lhes oferecia sopa, pão e fruta que vinha das quintas da directora da escola. Depois de fazerem a 4ª classe (de referir que naquele tempo o ensino não era obrigatório e a escolaridade básica para as raparigas era o exame da 3ª classe, ficando o exame da 4ª classe como escolaridade básica dos rapazes) as meninas podiam continuar a frequentar a escola onde funcionava uma Casa de Trabalho na qual elas aprendiam costura e lavores. Durante muitos anos essa Casa de Trabalho foi dirigida pela Senhora D. Madalena.
Para além destas benesses, a escola oferecia a Sopa dos Pobres – todos os dias da semana um máximo de vinte pobres certificados com Atestado de Pobreza passado pela Junta de Freguesia (ou Regedor, já não me lembro bem) recebiam uma panela de boa sopa e um ou dois pães de segunda, conforme o agregado familiar, e fruta, quando havia. Este serviço acabou por se extinguir ainda antes do 25 de Abril.
Tudo, absolutamente tudo, incluindo os ordenados das professoras e das cozinheiras, era pago pela irmã da Sr.ª D. Maria Eugénia. A minha mãe, a D. Lina como era conhecida, passou a ser aquilo a que actualmente se chama a directora pedagógica. Esteve em funções até aos anos 80, altura em que a escola fechou mercê das alterações socio-políticas do país e teve sempre a máxima confiança da dona da instituição. Foi a primeira (e última) professora que se manteve segura no cargo e foi com ela, posso dizê-lo sem qualquer laivo de imodéstia, que a escola evoluiu e se tornou visível. Numa época em que nem sequer se ouvia falar em visitas de estudo, em inícios de 60, a minha mãe, sempre com o suporte humano e material da Sr.ª D. Maria Emília, levou uma camioneta (do Barraqueiro, ainda me lembro) de passeio a Fátima e à Nazaré. Muitas delas nunca tinham saído de Sintra, nunca tinha visto o mar. Foi tudo pago, incluindo lanches e gelado (!) pela Directora da escola. Passou a realizar-se uma festa anual organizada pela minha mãe, com teatrinhos, bailados e récita de poemas pelas meninas, na qual estava presente e era homenageada a Directora e para a qual eram convidados os pais das alunas. Tudo era feito na escola: a escolha e o ensaio das peças de teatro bem como a confecção dos fatos e dos cenários – isto nos anos 60 era muito inovador. Claro que contava-se sempre com o enorme apoio humano, cultural e financeiro da Directora.
Nos anos 70, com a menor procura dos serviços da Casa de Trabalho, a escola passou a receber crianças com 5 e 4 anos, numa espécie de pré-escolar. Entraram novas vigilantes e, naturalmente, às custas da Directora. De referir que a minha mãe e as restantes senhoras que trabalhavam na escola, ao contrário do que acontecia no ensino oficial, recebiam 13 meses por ano, enquanto no oficial recebiam 10.
Depois do 25 de Abril, as condições alteraram-se. As obras de caridade passaram a ser mal vistas, os pais tornaram-se por de mais reivindicativos – não vejam nisto qualquer tipo de crítica da minha parte em relação à Revolução – a Directora estava um pouco cansada e desiludida e a escola acabou por fechar em meados dos anos 80.
O edifício em que a escola funcionava é um casarão contíguo à Casa dos Penedos também pertencente ao pai das Senhoras D. Maria Eugénia e Maria Emília, parte do qual, a ala esquerda, era reservado à casa da professora – a minha mãe – e outra parte, a ala direita, era reservada aos caseiros da Casa dos Penedos que se mudavam para lá no Verão, quando os senhoras vinham veranear para a Casa dos Penedos. A parte central era reservada para a escola: uma enorme sala de aulas, um refeitório de igual tamanho, a enorme cozinha com chão de lajes e fogão a lenha, lá em cima, na ala direita, a Casa de Trabalho e a Capela, onde diariamente se rezava o terço... O enorme campo de ténis da Casa dos Penedos era o recreio das alunas da escola.
Desde que a escola fechou e que a minha mãe não acedeu a ficar lá em jeito de caseira, o edifício foi abandonado e, como sabem melhor do que eu, completamente arruinado. A Senhora D. Maria Emília faleceu há anos também sem descendência e tudo aquilo pertence agora aos sobrinhos, oito, se bem me lembro, filhos de outra irmã sua.
Graça Sampaio
Foto de Emília Reis
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Muito obrigada por (re)transcrever o meu texto.
Beijinhos
Parece-me que com a saída da mãe da Graça Sampaio como professora e administradora, todo aquele enorme barco foi ao fundo.
Porque também as senhoras que fomentavam aquela obra envelheceram, e morreram. Fosse pelo que fosse, quem fica a perder é sempre o mesmo, neste caso a Vila Velha, que ficou sem aquele espaço, que sendo particular serviu a população durante décadas.
que a falta de manutenção do edificío não tenha as consequências da passagem do tempo como acontece ao casarão da ex-escola que parece estar ao total abandono
.Há toda a necessidade se os privados não se têm preocupado com a preservação do património edificado como é o caso - que seja a autarquia a impor as medidas para que aquela propriedade não de degrade ainda mais.