Porque hoje é Sábado...
José Afonso: 2 de Agosto de 1929/23 de Fevereiro de 1987
A historiadora Irene Pimentel, num interessante texto publicado no blogue Jugular, conta-nos a história de um activista de Grândola, José Conceição e a sua ligação a "Grândola Vila Morena" de José Afonso.
Adeus a José Conceição (31/1/1937 -16/4/211)
Morreu hoje José da Conceição, uma das
figuras mais importantes do associativismo cultural português, conhecido
por várias gerações de pessoas ligadas ao teatro amador e ao chamado
«trabalho legal» nas colectividades e sociedades de cultura e recreio
durante a ditadura de Salazar e Caetano. Além de ter sido militante e
dirigente político da chamada esquerda radical, nomeadamente da
Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa (OCMLP-O Grito do
Povo), antes e pouco depois de 25 de Abril
de 1974, José da Conceição foi sobretudo um organizador e dinamizador
de grupos de teatro – além de ter encenado inúmeras peças e participado
nelas como actor - em colectividades, em particular na Sociedade Musical
Fraternidade Operária Grandolense (SMFOG), de Grândola, e no Clube
Fluvial Vianense, de Viana do Castelo.
Tive a grande sorte de conhecer, em
1971, José da Conceição, pelo qual tive uma profunda e terna amizade,
bem como uma estreita camaradagem política. Além disso, pude participar
com ele em actividades políticas e culturais em associações na margem
sul do Tejo. Em conjunto, sob sua direcção, organizámos, em Alhos Vedros
e Grândola, sessões culturais, de teatro, cinema e canto, com diversos
intelectuais, escritores, encenadores e cantores, entre os quais se
contaram José Saramago, Joaquim Benite, Armando Caldas, Adriano Correia
de Oliveira, Fausto e José Afonso, entre outros.
Para José Afonso, aliás, o ano de 1964
foi crucial, pois foi então que escreveu o poema «Grândola, Vila
Morena». Mais tarde, José Afonso contou ter ficado «brutalmente
satisfeito com o convite» da «Música Velha» - Sociedade Musical
Fraternidade Operária Grandolense (SMFOG), onde conheceu Carlos Paredes.
José (Zeca) Afonso descreveu a «Fraternidade Grandolense» como um
«local obscuro, quase sem estruturas nenhumas, com uma biblioteca de
evidentes objectivos revolucionários, uma disciplina generalizada e
aceite entre todos os membros, o que revelava já uma grande consciência e
maturidade políticas» (José A. Salvador, Livra-te do medo, 1984, p. 127-128).
Quatro dias, José Afonso enviou a um dos
organizadores da sessão de Grândola, precisamente José da Conceição,
uma missiva, com um poema dedicado à SMFOG, lido publicamente na sala
desta colectividade, em 31 de Maio, por ocasião da estreia do Grupo de
Teatro da «Música Velha»: tratava-se de «Grândola, Vila Morena». Em
Agosto de 1968, foi a vez de Manuel Freire, cantor da «Pedro Filosofal»,
conhecer José Afonso, em Viana do Castelo, pois ambos foram convidados
para actuar no Clube Fluvial Vianense (José A. Salvador, José Afonso: O que Faz Falta, Uma memória plural,
pp. 59-62) cuja secção cultural era então dirigida pelo mesmo José da
Conceição havia organizado o espectáculo de Grândola, em 1964.
Em 13 de Agosto de 1968, o comando-geral
da PSP enviou ao director da PIDE o relato feito por um agente desse
espectáculo em Viana do Castelo, segundo o qual a ele tinham assistido
cerca de 200 indivíduos «desafectos» ao regime. Quanto às «letras dos
fados e canções (…) encerravam um fundo picante para o lado subversivo»,
embora, segundo dizia o relator da sessão, os cantores haviam moderado a
sua tendência subversiva, «certamente por se terem apercebido da
presença dos nossos agentes». O autor do referido ofício, que
visivelmente desconhecia completamente o conteúdo das canções dos dois
cantores, deu conta de algumas das estrofes das canções de José Afonso,
trocando as respectivas palavras. Por exemplo, «Cantar alentejano» e «Ó
cavador do Alentejo» continham, segundo o elemento da PSP,
respectivamente, as seguintes estrofes: «Catarina do Alentejo que não te
viu nascer mas há-de vir o dia que hás-de viver» e «Oh cavador do
Alentejo que há muito tempo não te vi cantar» (Arquivo da PIDE/DGS no
ANTT, proc. 931 CI (1), fl. 394).
José Afonso voltaria a Grândola, em
final de 1970, quando renasceu a actividade cultural da SMFOG, pela mão
de José da Conceição e de uma nova geração de jovens, e novamente em
Junho de 1972, por ocasião da primeira feira do livro, realizada no
jardim da vila, pela «Música Velha», e por José da Conceição. Tive então
a sorte de participar nesse evento, escolhendo livros que eram vendidos
no jardim central de Grândola em lindas barracas de praia às riscas –
uma ideia de José da Conceição. Alguns dos livros «do dia» foram obras
de autores marxistas, cujos nomes José da Conceição e eu nomeámos numa
entrevista dada a João Paulo Guerra, na Rádio Renascença. Lembre-se que
estávamos no período “marcelista” e o certo é que os censores e a
polícia política já tinham então muito que fazer, pois aparentemente a
iniciativa “esquerdista” passou despercebida.
Foi também uma ideia de José da
Conceição realizar, ainda na SMFOG de Grândola, um ciclo de cinema com
filmes de teor político - daqueles que a censura deixava passar -, por
escolhidos a dedo. Lembro-me que um deles era o western, «Soldado Azul» (Soldier Blue, 1970), com Candice Bergen e Peter Strauss, onde era pela primeira vez dada uma imagem diferente da habitualmente retratada nos filmes de cowboys acerca do verdadeiro massacre de índios perpetrado na América do norte.
Gerações de jovens activistas e
militantes, entre os quais me incluo, foram levados para a actividade
cultural nas colectividades por José da Conceição, um homem com uma
inteligência acutilante e um sentido de humor do tamanho da sua
generosidade, com o qual aprendi muito, tanto na actividade cultural
como na política. Que saudades vou ter de ti, Zé, das nossas conversas,
dos nossos almoços onde nos divertíamos e ríamos a bom rir do passado e
do presente!
Irene Pimentel
Irene Pimentel
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