Histórias do Vinho de Colares
Adegas Beira-Mar, nas Azenha do Mar
Texto publicado no Diário de Notícias, em 5 de Agosto de 2006, (autor desconhecido), que nos conta uma história (que eu gostaria de ter escrito) sobre como nos nossos dias, se vive e se produz o Vinho de Colares.
Deolinda olha a garrafa em contraluz. Procura vestígios de pé através da transparência verde do vidro e a cada olhar vai engordando o lote de garrafas de vinho branco que tem à sua frente e hão-de seguir para embalamento. Deolinda aprendeu a olhar o vinho em 34 anos de trabalho na adega de António Paulo da Silva. Sabe encontrar-lhe o defeito e pô-lo de parte quando não serve. Olha as garrafas uma a uma para depois as rotular à mão, num controlo tal qual se fazia quando ali chegou há muito tempo com a tarefa de "lavar o vasilhame". Vieram depois as máquinas e Deolinda mudou o gesto, passando a ter uma função em que a máquina ainda não substitui a eficácia da mão. Põe o rótulos e é a paciência a fazer o acerto com a ajuda da cola que o patrão traz e que dilui em água. O trabalho de Deolinda já poucos fazem. É quase um exclusivo, como é também único o vinho que vai catalogando.
António Paulo da Silva (Imagem RTP)
A adega onde Deolinda trabalha fica nas Azenhas do Mar, em plena Região Demarcada do Vinho Colares, uma das regiões vinícolas mais antigas do País. Criada em 1908, situa-se no concelho de Sintra, entre a serra e o oceano e ocupa os terrenos costeiros que vão de Colares a S. João das Lampas. De uma dessas vinhas, num caminho de terra que vai dar a Fontanelas, a aldeia em verso, avista-se o cabo da Roca coberto por um manto de neblina, prenúncio de um dia de calor, mesmo em Sintra.
É uma pequena parcela de terreno como são em regra as vinhas de Colares, protegidas do vento por paliçadas de canas e rodeadas de muros resultado de um puzzle de pedras, perfeitamente desmontáveis. Lá dentro, as cepas rastejam na areia a cerca de um mês e meio de serem vindimadas, como é costume "entre 20 e 24 de Setembro".
É assim há 98 anos, a idade da região demarcada. Já era assim antes. Os tonéis vizinhos de Deolinda são ainda mais antigos, do tempo em que as Adegas Beira Mar pertenciam ao avô do actual dono. A prova dessa antiguidade está esculpida em cada um dos depósitos de mogno: 28-8-86. "O 86 é do século XIX", esclarece Paulo da Silva que aproveita a deixa para desfiar a história do vinho que não sucumbiu à filoxera, como aconteceu com vinhedos no Douro "e por essa Europa fora.
Adega Visconde de Salreu em Colares
O colares resistiu e a explicação para a sobrevivência está na profundidade em que é plantada cada cepa de ramisco, a casta do colares. "Chega a ter um homem, dois homens e até três homens de fundo", diz António Paulo da Silva usando na explicação a medida que tradicionalmente se usava,
A filoxera não foi à raiz da cepa, a vinha sobreviveu e o colares tornou-se um dos vinhos mais populares em finais do século passado, início do século XX com honras de entrar na literatura feita por Eça. Paulo da Silva conta a história, encadeando a marca colares com o percurso da casa que dirige. Exibe prémios, diplomas, folheia livros de honra onde cada assinatura serve para provar um prestígio antigo. Não se perdeu, garante, embora não se venda tanto como antes. Depois de uns anos de crise, diz que o colares voltou a vender-se bem, em parte graças à acção da Adega Regional. Denuncia, no entanto, uma especulação no preço final que pode deitar muito a perder. Passa à frente. Afinal, da sua adega não sai apenas o colares que vende com o rótulo Colares Chitas. Há ainda o Casal da Azenha, vinho que já não é de areia, mas de chão rijo, mais de encosta, "um campeão em grandes concursos", com currículo invejável na Jugoslávia de Tito; e outro, mais corrente, o Beira Mar. Vinhos da casa a que se juntou o Carunchoso, que herdou do sogro.
António Paulo da Silva defende o colares apesar do travo. Isso que se estranha à primeira e que o distingue dos demais vinhos. "Tem um travinho próprio do ramisco." Gosta de o beber, garante. "É um vinho leve, de baixa graduação, na casa dos 11%, que deve ser servido entre os 20 e os 22º", ensina e quando fala tem por perto uma publicidade que se perdeu no tempo. "Na época das descobertas D. Manoel dictou: que a bordo não falte vinho de Collares. Há 400 anos que Collares não falta em parte alguma. Vende-se aqui." Foi quando Sintra se escrevia com C.
Texto DN
Texto publicado no Diário de Notícias, em 5 de Agosto de 2006, (autor desconhecido), que nos conta uma história (que eu gostaria de ter escrito) sobre como nos nossos dias, se vive e se produz o Vinho de Colares.
Deolinda olha a garrafa em contraluz. Procura vestígios de pé através da transparência verde do vidro e a cada olhar vai engordando o lote de garrafas de vinho branco que tem à sua frente e hão-de seguir para embalamento. Deolinda aprendeu a olhar o vinho em 34 anos de trabalho na adega de António Paulo da Silva. Sabe encontrar-lhe o defeito e pô-lo de parte quando não serve. Olha as garrafas uma a uma para depois as rotular à mão, num controlo tal qual se fazia quando ali chegou há muito tempo com a tarefa de "lavar o vasilhame". Vieram depois as máquinas e Deolinda mudou o gesto, passando a ter uma função em que a máquina ainda não substitui a eficácia da mão. Põe o rótulos e é a paciência a fazer o acerto com a ajuda da cola que o patrão traz e que dilui em água. O trabalho de Deolinda já poucos fazem. É quase um exclusivo, como é também único o vinho que vai catalogando.
António Paulo da Silva (Imagem RTP)
A adega onde Deolinda trabalha fica nas Azenhas do Mar, em plena Região Demarcada do Vinho Colares, uma das regiões vinícolas mais antigas do País. Criada em 1908, situa-se no concelho de Sintra, entre a serra e o oceano e ocupa os terrenos costeiros que vão de Colares a S. João das Lampas. De uma dessas vinhas, num caminho de terra que vai dar a Fontanelas, a aldeia em verso, avista-se o cabo da Roca coberto por um manto de neblina, prenúncio de um dia de calor, mesmo em Sintra.
É uma pequena parcela de terreno como são em regra as vinhas de Colares, protegidas do vento por paliçadas de canas e rodeadas de muros resultado de um puzzle de pedras, perfeitamente desmontáveis. Lá dentro, as cepas rastejam na areia a cerca de um mês e meio de serem vindimadas, como é costume "entre 20 e 24 de Setembro".
É assim há 98 anos, a idade da região demarcada. Já era assim antes. Os tonéis vizinhos de Deolinda são ainda mais antigos, do tempo em que as Adegas Beira Mar pertenciam ao avô do actual dono. A prova dessa antiguidade está esculpida em cada um dos depósitos de mogno: 28-8-86. "O 86 é do século XIX", esclarece Paulo da Silva que aproveita a deixa para desfiar a história do vinho que não sucumbiu à filoxera, como aconteceu com vinhedos no Douro "e por essa Europa fora.
Adega Visconde de Salreu em Colares
O colares resistiu e a explicação para a sobrevivência está na profundidade em que é plantada cada cepa de ramisco, a casta do colares. "Chega a ter um homem, dois homens e até três homens de fundo", diz António Paulo da Silva usando na explicação a medida que tradicionalmente se usava,
A filoxera não foi à raiz da cepa, a vinha sobreviveu e o colares tornou-se um dos vinhos mais populares em finais do século passado, início do século XX com honras de entrar na literatura feita por Eça. Paulo da Silva conta a história, encadeando a marca colares com o percurso da casa que dirige. Exibe prémios, diplomas, folheia livros de honra onde cada assinatura serve para provar um prestígio antigo. Não se perdeu, garante, embora não se venda tanto como antes. Depois de uns anos de crise, diz que o colares voltou a vender-se bem, em parte graças à acção da Adega Regional. Denuncia, no entanto, uma especulação no preço final que pode deitar muito a perder. Passa à frente. Afinal, da sua adega não sai apenas o colares que vende com o rótulo Colares Chitas. Há ainda o Casal da Azenha, vinho que já não é de areia, mas de chão rijo, mais de encosta, "um campeão em grandes concursos", com currículo invejável na Jugoslávia de Tito; e outro, mais corrente, o Beira Mar. Vinhos da casa a que se juntou o Carunchoso, que herdou do sogro.
António Paulo da Silva defende o colares apesar do travo. Isso que se estranha à primeira e que o distingue dos demais vinhos. "Tem um travinho próprio do ramisco." Gosta de o beber, garante. "É um vinho leve, de baixa graduação, na casa dos 11%, que deve ser servido entre os 20 e os 22º", ensina e quando fala tem por perto uma publicidade que se perdeu no tempo. "Na época das descobertas D. Manoel dictou: que a bordo não falte vinho de Collares. Há 400 anos que Collares não falta em parte alguma. Vende-se aqui." Foi quando Sintra se escrevia com C.
Texto DN
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