Sintra antiga (reedição)

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Foto  sem data do Arquivo Municipal de Sintra - Produção, Rocchini,F


Crónica da semana (1927) por Norberto Lopes
Queijadas de Sintra
Há a água de Sintra, o Paço de Sintra, o Palácio de Sintra, a Serra de Sintra – e as Queijadas de Sintra.
Nem todas as pessoas que vão á vila nobre bebem água da Sabuga ou da Passarinhos, nem todos sobem à Pena, entram no Paço de D.JoãoI e dão a volta ao Parque.
Mas ninguém deixa de comer as queijadas. As queijadas são o símbolo de Sintra mais transparente de verdade. A única cousa mesmo, a única, que se traz para Lisboa, a única que irradia nas cidades e é copiada, plagiada, limitada, especulada.

Acresce que as queijadas são também apesar da doçura contemplativa da linda vila real – a única cousa autenticamente doce. E quasi dizemos a única realmente humana, porque também elas, como nós, veem numa condessinha.

Em verdade, nós gostamos tanto das queijadas, somos filhos da Matilde. A Matilde é que noz faz gulosos; a Matilde é que nos dá a recordação transitória de Sintra. A Matilde é que, por pouco dinheiro nos defende muitas vezes quando a gente diz que foi a Sintra passar a tarde, que perdeu o último combóio, que teve de lá ficar.

-Toma filho! Aqui estão as queijadas.


É o documento que não admite dúvida. Queijada de Sintra há em toda a parte. Da Matilde, a valer só em Sintra.

A Matilde devia ter um monumento. O casino devia chamar-se “Casino da Matilde”. Sintra mesmo assim devia dividir-se assim: de um lado a Estefânia, do outro lado a Matilde.
A Estefânia é a vila nova, a Matilde a vila velha, a tradição, a guloseima, a nobreza, a talassaria, a graça de Sintra.

Está provado que Byron gostava de queijadas. Sem elas o seu estômago saxónico não teria disposição para fazer versos.

E depois, há que não esquecer : a Matilde foi uma Mulher. A melhor queijada do seu tempo. A uma rapariga que veraneie em Sintra não será ofensa chamar-lhe em vez de flor, de amor, simplesmente uma “Matilde”. Também há a “Sapa”. Mas é da Matilde que tratamos. Os nome tem influência.
Enfim: Sintra para nós é uma queijada, embrulhada no papel de cor ou branco, com a gravura da Pena ou do Paço.

Pode cair tudo: a Vereação Municipal e o Casino, o projecto do elevador, o Castelo dos Mouros, as árvores da estação e o Sr.Adriano Coelho.

Enquanto houver queijadas de Sintra, daquelas que eu te trouxe ontem, minha “Matilde” do meu coração – Sintra não acaba. São pequeninas como tu, cabem dentro da nossa boca – e fazem da nossa vida a mais doce queijada da existência.

Norberto Lopes

Publicado no "O Domingo Ilustrado" nº141 de 25 de Setembro de 1927

*Norberto Lopes -Vimioso 1900 - Linda-a-Velha 1989

Comentários

Graça Sampaio disse…
Que texto mais bonito!!! Vou ter de o guardar, Pedro. Peço desculpa pelo abuso...

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