Visita de Saramago à Ermida de São Mamede em Janas
“…Porém, há por aqui uma aldeiazita, Janas de seu nome. Que tem
para mostrar a Ermida de São Mamede, de rara planta circular, e o viajante faz o
rodeio necessário, de que não se arrepende.
Apartando-se o observador, a ermida parece uma construção
rural do que casa de devoção. Tem um longo alpendre onde é agradável estar, e,
da parte de trás da entrada (aqui mal se pode falar de frontaria), espessos
contrafortes amparam as paredes. A porta está fechada, mas para viajantes
curiosos qualquer janela serve, mesmo gradeada e protegida com rede de arame.
Lá dentro, ao meio do círculo, quatro colunas formam uma espécie de santuário
onde brilha a luz dum lampadário de azeite.
O altar encosta-se à parede, o que deve complicar um pouco o
culto. No espaço livre dispõem-se filas de bancos, claramente desarcertadas com
a organização geral do espaço. Certo, sim, está aquele outro banco corrido, de
pedra, que acompanha ele próprio circular, toda a construção. É verdade que se
interrompe de cada lado do altar-mor, mas a sua disposição mostra bem uma
prática ritual que necessariamente seria diferente da costumada. Sentados no
banco circular, os fiéis voltam o rosto para o lugar central, que as colunas
circunscrevem não para o altar. O viajante não compreende como pode esta evidência
ser conciliada com um rito que se desenvolve segundo uma regra de frontalidade,
entre um celebrante e uma assembleia que trocam gestos e dizeres. Será um
mistério pequeno, ou nenhum mistério será. Seja como for, o viajante não está
longe de acreditar que a Ermida de São Mamede de Janas foi, em tempos, local de
outros cultos e diferentes rituais. Não faltam igrejas no lugar de mesquitas.
Bem podia ter-se celebrado aqui um culto solar ou lunar, e ser o espaço sagrado
circular uma representação da divindade. Estará errada a hipótese mas tem
fundamento material e objectivo.”
Viagem a Portugal/ Co-Editado por Porto Editora e Círculo de Leitores, 2021
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