A Praia de Nuno Lobo Antunes
A Praia das Maçãs "era a sala de espectáculos"
(...) A praia era a sala de espectáculos: havia fantoches de cabeça de pau que, com voz esganiçada, reproduziam rixas de bêbados, vendedores de línguas-da-sogra em quantidades volúveis, de acordo com a tômbola que encimava a lata, num casino sem néon para apostadores de calções. Aparecia o Catitinha e o seu apito, espécie de Pai natal do Verão, que distribuía apertos de mão, numa antecipação notável dos politicos de hoje. E batatas fritas da Tia Maria em pacotes sem rótulo, e bolas-de-berlim em cestos de vime cobertos de alvuras de linho. Nesse tempo, a bola-de-berlim não tinha creme. E havia também o cabo-do-mar, imponente na sua farda, marinheiro inútil, em doca seca. E distinções de classe, porque a praia , ao domingo era para o povo. E toldos às riscas que navegavam à bolina de acordo com o vento, e barracas com pontes levadiças que se baixavam e se transformavam em casulos onde meninas, dentro se despiam para sairem borboletas, E havia amores, os primeiros, onde não mais se retorna, porque o coração deixou de ser o mesmo. Praia das Maçãs sem macieiras, habitada pela minha infância, bichos de areia e jogo do prego, aparece na solidão da velhice, para me dar, de novo, desbotada, a ilusão da felicidade.
Depoimento recolhido por Teresa Campos
Revista Visão nº853-9a 15 de Julho de 2009
(...) A praia era a sala de espectáculos: havia fantoches de cabeça de pau que, com voz esganiçada, reproduziam rixas de bêbados, vendedores de línguas-da-sogra em quantidades volúveis, de acordo com a tômbola que encimava a lata, num casino sem néon para apostadores de calções. Aparecia o Catitinha e o seu apito, espécie de Pai natal do Verão, que distribuía apertos de mão, numa antecipação notável dos politicos de hoje. E batatas fritas da Tia Maria em pacotes sem rótulo, e bolas-de-berlim em cestos de vime cobertos de alvuras de linho. Nesse tempo, a bola-de-berlim não tinha creme. E havia também o cabo-do-mar, imponente na sua farda, marinheiro inútil, em doca seca. E distinções de classe, porque a praia , ao domingo era para o povo. E toldos às riscas que navegavam à bolina de acordo com o vento, e barracas com pontes levadiças que se baixavam e se transformavam em casulos onde meninas, dentro se despiam para sairem borboletas, E havia amores, os primeiros, onde não mais se retorna, porque o coração deixou de ser o mesmo. Praia das Maçãs sem macieiras, habitada pela minha infância, bichos de areia e jogo do prego, aparece na solidão da velhice, para me dar, de novo, desbotada, a ilusão da felicidade.
Depoimento recolhido por Teresa Campos
Revista Visão nº853-9a 15 de Julho de 2009
Comentários
Abraço
Aqui por estes lados as zonas balneares tradicionais conservam (ainda e felizmente)a sua identidade, talvez porque estão em área protegida, talvez pela sua localização geográfica.
É também pela manutenção da identidade e do próprio ambiente cultural, que tenho denunciado o que se tem passado nos últimos dois anos com o eléctrico que liga(va) Sintra à Praia das Maçãs, um museu vivo que tem que que ser preservado a todo o custo.
Um abraço
Pedro Macieira
Informo que segundo uma fonte de confiança, o eléctrico voltará à Praia ainda no mês de Agosto. As obras deverão iniciar-se antes do final de Julho, para já atacando os pontos mais criticos por forma a poder o elétrico circular novamente.
Cumprimentos
A informação que aqui deixou a ser concretizada, é muito positiva. E aguardo com toda a expectativa o dia do início das obras de recuperação da via.
Um abraço
O autor deste texto, Nuno Lobo Antunes, nasceu em 1954, possivelmente a descrição feita da Praia das Maçãs corresponde a essa altura.
Um abraço