Na árvore já não há - Miguel Esteves Cardoso
Os pêssegos, sozinhos, constituem o sexo feminino de todas as frutas. O artigo está mal posto.Os pêssegos-rosa de Colares (que tanto vêm de Janas, como do Mucifal, ou de Fontanelas ou da Adraga, como até, em casos limítrofes, de Colares), são um milagre que só nos resta aceitar.
Duram, quanto muito, quatro dias em Agosto. Nem tanto. Os pêssegos são melindrosos e massacrados não só por moscas mediterrânicas como por melros e pardais bem portugueses. Todos sabem o que é bom. A fruta com bicho é aquela que a natureza (ou Deus, conforme se preferir) abençoa.
Os pessegueiros são bravos – nem sequer precisam de ser regados. Morrem muito novos. São predispostos à desgraça. Mas, caso se safem, abençoam-se de sabor. E o cheiro enche uma sala inteira de amor.
Anteontem, disseram-me, deixou de haver “nas árvores”. Os poucos que restam estão em frigoríficos: “senão, não havia até ao fim de Agosto”.
Armado em bom, eu disse ao distinto casal de fruticultores de Janas que me abasteceu, que eu tirava sempre os pêsegos do frigorífico duas horas antes de comê-los.
“Duas horas antes?” Fartaram-se de rir! Então explicaram-me, com graciosa condescendência e generosidade, que os pêssegos-rosa têm de ser “tirados à noite, para o outro dia". Seja: precisam de uma noite escura e fresca para recuperar a fragância e a suculência.
De noite não apodrecem. Repôem-se bons, enquanto dormimos. Era este o segredo que me estavam a dizer.
Miguel Esteves Cardoso -Crónica de hoje do Jornal "Público"
Foto- Pêssegos-rosa do Mucifal
Comentários
Estes pêssegos-rosa da foto - segundo me disseram no mercado do Mucifal, poderão ser os últimos deste ano, porque, “Na árvore já não há”, felizmente que esta conversa foi no tempo certo.
Um abraço