Cintra de Almeida Garrett

Cisne branco do Lago do Parque da Pena

Cintra

Oh Cintra! Oh saudosissimo retiro,
Onde se esquecem maguas, onde folga
De se olvidar no seio a natureza
Pensamento que embala adormecido
O sussurro das folhas c’o murmurio
Das despenhadas lymphas misturado;
Quem descançado á fresca sombra tua
Sonhou senão venturas? Quem sentado
No musgo de tuas rocas encarpadas,
Espairecendo os olhos satisfeitos
Por céos por mares, por montanhas, prados,
Por quanto ha ahi mais bello no universo,
Não sentiu arroubar-se-lhe a existencia,
Pousar-lhe o coração suavemente
Sobre esquecidas penas, amarguras
Ancias, lavor da vida? - oh grutas frias,
Oh gemedoras fontes, oh suspiros
De namoradas selvas,brandas veigas,
Verdes outeiros, gingantescas serras!
Não vos verei eu mais delicias d’alma?
Troncos onde eu cortei queridos nomes
D’amizade, e d’amor não hei-de um dia
Perguntar-vos por elles? Soletrando
Não lerei pela arvores crescidas
Os caracteres que, em tenrinhas plantas
Pelas verdes cortiças lh’entalhára?

Almeida Garrett
*ortografia e pontuação conforme texto original de 1912

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