Postal de Sintra


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Publicamos hoje  pelo seu interesse  um artigo de Márcia Galrão. publicado no "Diário Económico",  de 24/09/2013, que descreve um retrato actual  e muito correcto do Concelho de Sintra.


"Sintra, quando o património disfarça a crise

Márcia Galrão  
24/09/13 00:06

Um concelho de muitos contrastes, onde os monumentos e a cultura chegam para minimizar os efeitos duros da austeridade.
Na vila que não quer ser cidade, os monumentos são donos e senhores de um cenário de postal ilustrado. Mais de 1,5 milhões de pessoas visitaram os principais monumentos de Sintra no último ano. Turistas de todo o mundo, como as amigas de Singapura que aproveitaram uma viagem a Lisboa de cinco dias, para uma escapadinha de comboio com o Castelo dos Mouros e o Palácio da Pena no itinerário. "Agora só nos falta ir comer um travesseiro", riem entusiasmadas, junto ao Sight Sintra que alugaram a sair da estação, e que lhes permite percorrer a vila em duas rodas. Os portais de viagens internacionais, como o Lonely Planet ou o Trip Advisor, indicaram-lhes que havia aqui um refúgio a poucos quilómetros de Lisboa que não deviam perder.

A maioria dos turistas que visita Sintra é assim: vem apenas de passagem, na correria de um ‘tour' que algum agente de viagens lhes vendeu em Lisboa, preparados para conhecer apenas os pontos principais, mas sem intenção de se fixarem por mais dias.

É isto que João Cruz Alves lamenta. O administrador-delegado da Quinta da Regaleira queixa-se da falta de alojamento na vila e acredita que se "tudo fosse articulado em rede, haveria muito mais potencial de permanência, com benefício para todos". Os poucos hotéis existentes são praticamente todos de luxo, embora nos últimos anos se tenha assistido a um crescimento rápido de ‘hostels' e casas de hóspedes.

Luís Pereira, o dono do Café Saudade, na antiga fábrica de queijadas ao pé da estação de comboios, vai seguir a tendência e em Outubro abrirá o Chalet Saudade, com 11 quartos, fruto de um trabalho meticuloso de restauro de um antigo chalet que é hoje a sua própria casa. "Ainda há muita capacidade para absorver mais turistas", acredita.
Durante o almoço na esplanada da Regaleira, onde o céu parece feito das copas das árvores, a mistura de línguas mostra-nos que o turismo é muito diversificado por aqui. Enquanto Cruz Alves fala da "experiência do lugar" que se procura proporcionar aos visitantes da quinta gerida por uma fundação de direito privado, o vento traz-nos palavras em alemão das duas amigas do fundo ou o francês do casal que olha surpreendido pelo ecrã da máquina fotográfica digital para as imagens que captou da visita.

"O turismo cultural capitaliza ao melhor nível. É isso que nos distingue", conta o administrador da Quinta da Regaleira, onde o cartaz de eventos de animação é reformulado todo ano, com peças de teatro, concertos, actividades pedagógicas ou até colóquios internacionais.

A mistura de culturas é um dos pontos emblemáticos de Sintra. Apenas 10% dos 1,5 milhões de visitantes que entrou num dos muitos monumentos geridos pela empresa de capitais públicos Parques de Sintra - Monte da Lua (a quem foi entregre a gestão exclusiva do Palácio da Pena, Castelo dos Mouros, Convento dos Capuchos, Monserrate, Chalet da Condessa d'Edla, Palácio Nacional de Sintra, Palácio de Queluz e outros) são portugueses. Por isso, conta o administrador António Lamas, recentemente traduziram os folhetos para russo e mandarim.

Talvez por isso tenha sido tão difícil encontrar alguém que falasse connosco na língua de Camões. Já no Palácio da Pena, Maria Rita, dois anos, corre pelo caminho estreito para a "casa da princesa". Os pais, da margem Sul, vieram mostrar Sintra a um casal de amigos do Porto. "É a primeira vez?". "Não, gostamos muito de vir a Sintra, quanto mais não seja para respirar o ar puro", conta a mãe.

Sintra do património, dos travesseiros, da cultura, do verde que envolve a cada passo, das ruas estreitas e calcetadas, das subidas íngremes, dos choches puxados a cavalo, mas hoje também dos tuk-tuk, dos Sight Sintra e das bicicletas, como aquelas que corajosamente dois casais do Canadá levaram até à Pena. Encontramo-los vestidos a rigor, já cá em baixo ao pé do Palácio Nacional. "A vista é impressionante", dizem.

Sintra inspira e transpira cultura. A UNESCO classificou a sua paisagem natural, com todos os seus monumentos, Património Mundial da Humanidade, em 1995. Desde aí, o restauro dos edifícios mais emblemáticos e a sua preservação e manutenção tem sido a grande batalha diária de todos os responsáveis que gravitam à volta daquilo que é o principal factor económico da vila: o património.

Mas a crise não se esqueceu de bater à porta em Sintra. Quem olha para o fervilhar de turistas que se move impaciente encosta acima e encosta abaixo e enche de vida e de som as ruelas que levam ao Palácio da Vila, bem no centro histórico, pode até achar que os últimos anos de austeridade não afectaram o movimento na vila. Engana-se. Cruz Alves diz que se não fosse a crise, em vez de 13%, as visitas da Regaleira teriam crescido 30%. Já Luís Pereira queixa-se da quebra de 90% no consumo dos funcionários públicos. É que num espaço situado em frente a uma câmara municipal, esta clientela era "muito importante" para o negócio.

Este é um concelho de muitos contrastes. E se quem visita a vila está em lazer e descontracção, Sintra não pode esquecer que nos últimos dez anos o desemprego cresceu aqui 45,8% e 13% das empresas fecharam, com o volume de negócios a sofrer também uma quebra na ordem dos 11,6%.

O tempo é de eleições autárquicas, mas por aqui ninguém pensa muito nisso. Os turistas nem se aperceberam. Alguns viram uns cartazes e algumas pessoas com bandeiras, mas não mais do que isso.

A grande expectativa vai para outro assunto: o IVA de 23%. Luís Pereira diz que foi "a pior coisa" que podia ter acontecido ao Café Saudade e que a correcção prevista pelo Governo para Junho de 2014 "já não virá a tempo" de salvar muitos negócios. António Lamas também não compreende a razão para os palácios na gestão do Monte da Lua pagarem este imposto para o qual deu 1,4 milhões de euros no ano passado.

Entre o sossego de Monserrate e a animação em frente à pastelaria da Piriquita, famosa pelos travesseiros, pouco se adivinha sobre as outras realidades do segundo maior concelho mais populoso do país. Aqui, a construção em massa, em zonas dormitório como Cacém, Algueirão ou Rio de Mouro, só se vê por entre as árvores no topo da serra. Lá longe, o trânsito caótico do IC19 é a imagem perfeita dessa outra Sintra que se alastra para fora da serra e onde a crise se sente no desemprego e no aumento de 166 para 182 mil alojamentos. Do outro lado, há ainda um concelho rural, de pequenas aldeias, onde em muitos sítios os esgotos ainda não chegaram e onde a população tende a envelhecer: o número de pensionistas subiu de 9,4% para 13,6% da população.

Numa autarquia onde o passivo chega aos 194 milhões de euros, chegar a todas as realidades distintas é um trabalho árduo, mas nem por isso o interesse em dirigir Sintra diminui.
Domingo vão a votos 11 (10) candidatos."

 http://economico.sapo.pt/noticias/sintra-quando-o-patrimonio-disfarca-a-crise_177753.html

Comentários

greentea disse…
retrato real de Sintra e arredores, faltando dizer poucos locais vão visitar o q de mais belo Sintra oferece, poucos visitam os concertos e espectaculos muitos deles oferecidos aos municipes ou com 50% de redução; Sintra é liiinda de revisitar sempre mas os arredores estão cheios de lixo, mato e falta de muita limpeza que a edilidade não se dá ao "luxo" de fazer...
Fatyly disse…
Amanhã virei ler este post, porque hoje tive de serviço aos netos...e plufff mal vejo as teclas:)

Desculpa:)
Anónimo disse…
Obrigado pela partilha. Mas o jornal é o Diário Económico e não o JOrnal de Negócios.
pedro macieira disse…
Anónimo,
Õbrigado pelo reparo.Lapso já corrigido, embora o link da fonte permitisse detectar a troca da denominação.
Comprimentos

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