A última crónica

O Fio do Horizonte

A crónica de ontem de Eduardo Prado Coelho no jornal "Público"

Comício de Verão

No seu habitual comício de Verão do PSD/Madeira, lá tivemos Alberto João Jardim a vociferar com a habitual virulência e desfaçatez. Conseguisse ele imaginar o que a esmagadora maioria dos portugueses do continente pensa destas vistosas performances e talvez não exibisse tamanha arrogância. Mas não consegue, e, por isso, fica ali, naquele estardalhaço ensolarado, a vacilar entre o ridículo e o patético.

Para o ilustre presidente do PSD da Madeira, o alvo, desta vez, foram as chamadas “causas fracturantes”, que é o nome algo abusivo que foi atribuído aos temas que se ocupam de aspectos importantes da vida quotidiana das pessoas. Que um banco recuse um empréstimo a duas mulheres que vivem juntas, considerando que a situação de lésbicas não lhes permite qualquer solicitação nesse sentido, é algo que afecta o dia a dia de cada uma. E esses são problemas que não podem ser ignorados. Sobretudo com aquele inevitável argumento de que há assuntos muito mais importantes, como o desemprego ou as leis do trabalho (esta é a lengalenga habitual do PCP, que não tem particular simpatia por “temas fracturantes”, embora, às vezes, lá alinhe).

Que disse, então, Alberto João Jardim? Numa alusão à lei sobre a despenalização do aborto, declarou, segundo os hábitos enraizados do conservadorismo nesta matéria, que, “quando se fazem leis contra a vida humana, é um precedente que não podemos consentir para depois fazerem outros direitos ou se ofenderem outros direitos das pessoas em nome do Estado absoluto”. Não vamos discutir. Mas Jardim parece não ter entendido que a lei sobre a despenalização do aborto em determinadas circunstâncias é uma lei que aumenta a liberdade das pessoas, porque não obriga ninguém a fazer abortos, mas permite que quem quiser os faça e quem não quiser não faça. Falar em “Estado absoluto” é um contra-senso.

E falou sobre homossexuais. Para dizer que “querer o casamento de homossexuais e tudo isso que o Governo socialista prepara, essas não são causas, são deboche, são degradação, é pôr termo aos valores que nós, portugueses, a nossa alma nacional, temos desde o berço e que os nossos pais nos ensinaram”. Cá temos o modelo perfeito do pensamento reaccionário: vai-se buscar um princípio suposto intocável, neste caso a “alma nacional” ( Jardim ignora que “a alma é um vício”, como genialmente escreveu Agustina), para interditar qualquer debate racional e ponderado sobre estas matérias, e não se aceitar a pluralidade de posições.

Do berço não me recordo bem, mas lembro-me que os meus pais, felizmente, nunca me ensinaram estas coisas, bem pelo contrário, embora sempre permitindo que eu viesse a pensar o que achasse mais certo. E nada me leva a suspeitar que não fossem portugueses, que não fizessem parte deste demagógico “nós, portugueses” a que Jardim recorre. Os pais da minha mãe moravam na Rua do Noronha, por detrás da Imprensa Nacional, e os do meu pai na Correia Telles a Campo de Ourique. Terão sido menos portugueses por não pensarem o que pensa Alberto João Jardim? Como dizia Pacheco Pereira, se Jardim berrasse menos e pensasse mais…

Eduardo Prado Coelho
no Jornal "Público"

Lisboa, 25 Ago (Lusa) - O professor e ensaísta Eduardo Prado Coelho, de 63 anos, faleceu hoje de manhã na sua residência em Lisboa, disse à agência Lusa fonte próxima da família.

Comentários

Anónimo disse…
Há uns anos, a convite de uma associação cultural, que não recordo o nome, realizou-se numa pequena pastelaria da Estefânea, em Sintra, um encontro com Eduardo Prado Coelho que falou sobre a sua biblioteca e os seus livros.

Conhecendo, pela leitura das suas crónicas, a forma como abordava, apaixonadamente, os assuntos sobre que escrevia, nomeadamente os relacionados com o Amor e o Afecto, quer fossem sobre pessoas, livros ou filmes, assaltou-me a ideia de estar presente e de, aproveitando aquela ocasião, lhe passar a “estória” da Condessa d’Edla e de D.Fernando. Ele conhecia-a, concerteza, tanto mais que numa das suas crónicas “Fio do Horizonte” se tinha insurgido contra a demolição da casa da Condessa, na Parede. Talvez, pensei, também eu conseguisse sensibilizá-lo a escrever sobre o abandono e a degradação do Chalet no Parque da Pena e aí ganharia mais um aliado na luta pela sua recuperação. O encontro acabou já tarde, noite dentro, e eu não tive coragem de o abordar àquela hora.

A partir daí, sem o esquecer, fui adiando esse meu desejo, até hoje, no dia em que tive conhecimento da sua morte.

É tarde e eu fico com pena de o não ter abordado, pessoalmente, naquele dia em Sintra...

e.r.
pedro macieira disse…
Habituei-me a ler o “Fio do horizonte”, no “Público” do E.P:C diáriamente, encontrei nas sua crónicas relatos, e sensibilidade para as coisas simples da vida.Muitas vezes verifiquei que algumas opiniões que tinha, coincindiam com a sua opiniões tão habilmente expressas nessa sua escrita diária.Apercebi-me do seu gosto pela vida.
Nas alturas de Verão,quando interrompia as crónicas durante um mês, eu sentia a falta daqueles textos.A partir de hoje fica um vazio,que não será preenchido, e alguma revolta pois ele teria de certeza muitos projectos ainda para concretizar.Numa entrevista à TSF, repetida hoje, E.P.C. afirmava mais ou menos isto-” Felizmente nós não temos o horizonte da morte...”

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